O LEGADO BOURNE

25/05/2014 17:41

 

Nota do Site: 2/ 5

 

     O Legado Bourne gira em torno de um cara numa busca desenfreada atrás de uma pílula. Sim, você ouviu bem: Aaron Cross, o protagonista, tem como arco dramático o propósito simplório de procurar uma pílula que o ajude a equilibrar suas habilidades geneticamente modificadas. Sim, é isso mesmo: o novo herói em questão tem habilidades adquiridas em laboratório, que o fazem escalar paredes e pular despenhadeiros sem os inconvenientes óbvios da gravidade. E se você acha que a subtrama envolvendo a CIA e os eventos decisivos de O Ultimato Bourne foram uma ótima ideia, ao centrar esta nova trama paralelo ao que ocorria no exato momento em que Bourne estava em Nova York à procura de respostas para o seu passado, não se preocupe, pois este "crossover" não passa de uma dispensável “firula narrativa”, por parte do roteiro de Tony Gilroy, já que não nos leva rigorosamente a lugar nenhum.
 
     Não contando para estes filmes com aqueles que foram responsáveis por uma das franquias de espionagem mais bem-sucedidas dos últimos anos – Paul Greengrass e o eficiente Matt Damon – O Legado Bourne tem agora à frente de sua história Aaron Cross (Jeremy Renner), um sujeito cujas habilidades especiais foram adquiridas a partir de um programa secreto da CIA denominado Outcome e que agora necessita fugir de seus “empregadores” ao perceber que será eliminado por estes. Enquanto isso, em alguma base secreta da CIA, o agente Byer (Edward Norton), é o responsável por essa caçada, pois precisa conter, de qualquer forma, o vazamento de informações desencadeado pelo “caso Trendstone” e pela consequente incursão de Bourne em Nova York. E basta para isso, que os tais “agentes” engulam, sem questionamentos, certas pílulas convenientemente envenenadas.

    Coisas bobas como essa, aliás, ajudam a prejudicar todo este novo projeto como, por exemplo, ao trazer a imagem de Bourne, submerso na água ao final de O Ultimato Bourne, só para, logo em seguida, cortar para Aaron Cross saindo de um lago no Alasca (?) e deixá-lo durante praticamente todo o primeiro ato fugindo de lobos e se abrigando numa cabana ao lado de outro sujeito até o momento em que este mesmo sujeito é tirado do filme quando sua importância narrativa esgota-se. Além disso, a trama envolvendo Martha Shering (Rachel Weisz), sobretudo a cena impactante ocorrida no laboratório, mostra-se abrupta e mal-construída, tendo o propósito apenas de estabelecer apressadamente a transição do primeiro para o segundo ato do filme, depois que Gilroy desperdiçou minutos preciosos no Alasca. E o engraçado é que o roteirista-diretor do filme justifica tal cena impactante pondo a culpa na “manipulação genética do sangue” do responsável pelo atentado.

   Essa subtrama envolvendo a manipulação genética das habilidades dos envolvidos no programa Outcome, aliás, não convence em nenhum momento. E se os filmes anteriores colocavam seu protagonista numa busca implacável pelo seu passado enquanto ele mesmo descobria-se com interessantes habilidades, os filmes ganhavam credibilidade ao mostrar que tais habilidades (sobretudo aquelas envolvendo a inteligência e intuição apuradas) foram conquistadas ao longo de um rigoroso condicionamento físico e comportamental, mostrando-se inteligente também em colocar seu protagonista sempre à dois passos de seus inimigos, fazendo com que Bourne só usasse de força física quando este se mostrava estritamente necessário (há um diálogo, em A Identidade Bourne, que resume perfeitamente isso: “quando entro num lugar, instintivamente observo as portas e possíveis saídas de emergência”). Em outras palavras, este novo filme deixa de lado a sutileza e o intrincado jogo de gato-e-rato por uma desenfreada corrida em busca de uma pílula. E mesmo que o protagonista mostre aqui e ali rompantes de uma inteligência e intuição similar ao seu antecessor, este é logo sabotado pela ineficiência de Cross em apagar seus rastros, bem como as estratégias dele sempre soam implausíveis. Ou vocês realmente engoliram a estratagema dele de se esconder de um avião teleguiado usando apenas uma placa de metal?

    Além disso, a rigor, nem mesmo o título desse filme justifica-se, pois em momento algum Aaron Cross relaciona-se orgânica e ideologicamente à Jason Bourne, já que Cross não tem os mesmos propósitos políticos de seu antecessor. E eles nem mesmo eram do mesmo programa, ora bolas. Com isso, este novo filme deveria se chamar O Outro Bourne. É, ficaria mais bacana!

   Em relação ao desenvolvimento dos personagens, O Legado Bourne é igualmente lamentável. Demonstrando ter um arco dramático simplório em relação ao seu antecessor, Aaron Cross é um sujeito que, mesmo demonstrando ter uma inteligência fora do comum, atravessa o filme fugindo e lutando com lobos, atirando como um "counter striker" e tendo, aqui e ali, rompantes "magwerianos" só para, em seguida, ser constantemente sabotado por efeitos visuais medianos e uma montagem caótica no “mal” e velho estilo Michael Bay. E porque diabos ele pede à sua parceira que seja discreta ao fugir de determinado local, se ele próprio é o primeiro a chamar a atenção de todo mundo ao atirar nos alarmes locais? Além disso, Cross não possui a mesma complexidade psicológica de Jason Bourne, cuja eficiência, astúcia e habilidades físicas escondiam um sujeito perturbado por não saber quem era e quem representava, ao mesmo tempo em que se surpreendia com cada habilidade que surgia, tornando-se um sujeito adaptável a qualquer situação. E com isso, este novo filme desperdiça substancialmente a presença do interessante Jeremy Renner, que num roteiro melhor, certamente se destacaria.

   Edward Norton é outro que claramente está desperdiçado num papel maniqueísta e unidimensional. Seus esforços, implausíveis desde o início, são ainda sabotados pelo fato do roteiro limitar geograficamente o personagem, que surge a maior parte do tempo preso em escritórios e na frente de computadores e monitores de vigilância – aliás, todo aquele núcleo, diga-se de passagem. Observem, por exemplo, como determinada informação tida como crucial é conseguida e aposto que até mesmo os roteiristas de 24 Horas achariam estúpido.

    Em relação à Martha Shering, Rachel Weisz vai da histeria, à resignação e finalmente à calmaria sem qualquer traço de sutileza, falhando em estabelecer qualquer empatia com o espectador. Pelo menos, aprendi algo com ela: se perceber o perigo eminente, grite, o mais alto que puder. E se você se deparar com o perigo de fato, espere que a ajuda virá de cima, escalando muros como se fosse uma lagartixa salvadora.

    Tentando claramente estabelecer-se como o primeiro filme de uma nova e nada promissora franquia, O Legado Bourne sequer consegue esclarecer as motivações do protagonista, já que estas informações nos são sumariamente negligenciados. E não venham me dizer que aquele horrível diálogo envolvendo a “tese” de “excremento moral” foi o suficiente para convencê-lo. Aí, eu me dei conta que o filme dá sim essa resposta: perguntado sobre o porquê da necessidade de encontrar a tal pílula que completaria seu aperfeiçoamento genético, Cross responde: “porque quando entrei meu superior teve que completar com 12 pontos a exigência mínima de Q. I exigida”, ou seja, o cara era burro mesmo. Por isso entrou, tadinho! Daí sua busca desenfreada rumo à uma pílula que o deixasse inteligente de vez. Ã-hã!!!

    No final, o que era a busca por uma pílula se tornou a busca por uma injeção, uma pequena reviravolta que faz todo o sentido do mundo.

    Que saudade do tempo em que um mero celular era o suficiente para escapar de uma sala fechada e fortemente vigiada. E que saudade também do tempo em que uma mera ligação, de lugares estratégicos para pessoas específicas era o suficiente para driblar seus adversários sem a desgastante necessidade de tiroteios e confrontos físicos.

   Fiquemos, então, com a lembrança daquelas que são certamente as melhores cenas de O Legado Bourne: as imagens 3×4 de Jason Bourne, vistos em dois momentos específicos deste lamentável desperdício!!!

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